Prof. Nilson da Cruz Bulhões*
Quando nos referimos àquilo que instrumentalizará alguém, capacitando-o a expressar-se satisfatoriamente por escrito, em qualquer gênero textual, situamos a leitura como ponto principal dessa dinâmica.
A frase anafórica de Paulo Freire aprender a praticar / praticar para aprender pode nos levar a um aprofundamento sobre o que seria a incentivação, a motivação, o gostar de livro (além do gostar de ler), seguidos da indagação sobre o que seria ler bem, ler muito e ler com qualidade, fatos esses que, na nossa concepção, fundamentam o processo da escritura.
Os jovens brasileiros não leem, costumamos afirmar e argumentamos com dados oficiais que situam hoje o Brasil apenas em posição superior à Mauritânia, à Indonésia, à Albânia e ao Peru quanto ao aproveitamento da leitura e do conhecimento ─ um desonroso 37º lugar entre 41 países.
Em certo trabalho acadêmico, aludimos ao mau uso que se faz do livro paradidático, especificamente quanto à burocrática necessidade de escolha de quatro títulos com uma antecedência que não deixa ao professor a oportunidade de adequar o que será lido ao aluno real com que trabalhará durante um ano letivo. A premeditada bimestralidade de leitura literária veda caminhos que poderiam levar a muitas outras leituras (literárias e técnicas) derivadas do transcorrer natural das aulas, estando contidas aí as noções de contextualização e transversalidade de temas, além da interdisciplinaridade .
O aluno tem dificuldade de passar para o papel o que está latente em seu raciocínio. Ele sabe o que quer dizer, diz ele, mas não sabe como dizer. Supomos que seja decorrência de não ter costume com a leitura crítica, atenta e prazerosa, além de um bloqueio derivado de não saber (às vezes exatamente por saber!) como o professor vai reagir diante de um texto gramaticalmente pobre.
Entra em cena, então, a coerção exercida pelo padrão linguístico, a escola paradoxalmente tolhendo a capacidade do aluno em expressar-se por escrito, pois impõe modelos únicos a serem seguidos. E esse modelo é aristocrático, garantido por leis ─ as normas gramaticais impostas por decretos.
O professor, por sua vez, muitas vezes realimenta o sistema excludente, exigindo uma padronização de competências em alunos de variados ambientes sócio-econômicos. É o caso em que ele rejeita as variedades dialetais, classificando-as como erradas, impróprias, agramaticais. Ele próprio, em sua formação, tem obrigação de ser provido de variadas competências, de modo a não aceitar exclusivamente a visão gramaticalista, normativista, tradicional e estar aberto ao estudo da ciência linguística.
Ler é mais importante do que estudar ─ é um bordão pedagógico utilizado pelo desenhista Ziraldo. Segundo ele, a leitura é uma atividade que precede ao estudo de qualquer disciplina. Sem saber ler o suficiente para entender o que lê, e sem saber escrever para expressar-se plenamente, como é que ele vai estudar?, diz ele do aluno em coluna do Jornal do Brasil de 14 de julho de 2003 (p. A 11), propondo uma revolução na metodologia oficial de ensino no Brasil:
Sejamos radicais: apenas ler, escrever e gostar de ler!
Uma criança de 10 anos que lê como quem respira, que gosta de ler, que lê como quem está usando mais um, além dos seus cinco sentidos, estará preparada pra receber toda a informação de que vai necessitar para enfrentar a vida.
Segundo Ziraldo, a Finlândia, primeiro lugar em aproveitamento de leitura entre 41 países, aplica uma metodologia semelhante à que ele propõe.
Não chegamos a tal grau de radicalismo, embora não o consideremos desprovido de sensatez.
*Prof. Nilson Bulhões é graduado em Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, pós-graduado em Docência do Ensino Superior pela Feuc e atualmente leciona Língua Portuguesa na FAETEC, em Niterói.
0 comentários:
Postar um comentário